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quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Oco

Ontem, 15 de setembro, por volta das 18h passei no meio de uma manifestação de sem tetos no Viaduto do Chá. Entre gritos, vendedores de quase tudo e reclamações dos transeuntes ouviam-se as "chamadas" para as ocupações ali presentes: "Nova Palestina", "Copa do povo", "Faixa de gaza". Em resposta, os presentes de cada ocupação gritavam, mostrando sua presença, em uma segunda-feira caótica em São Paulo.
Eu e minha imaginação leviana pensamos em quem escolhia aqueles nomes para as ocupações e o que aquilo representava. Ali nas minhas aflições curiosas descobri muito pouco, segui meu caminho, entendendo a presença da PM instalada com seus dinossauros disfarçados de cavalos na Praça da Republica, um lugar que na noite da segunda não era tão próximo da sede da prefeitura.
Manhã de terça, acordo lamentando a vida, como é chato trabalhar, como é tenebroso acordar cedo, 20, 30 minutos depois eu levanto, visto algo confortável, vou ao banheiro e gasto meus rotineiros 15 minutos na maquiagem, não tomo café e me jogo no mundo cão. Chego ao trabalho atrasada (mesmo assim sou a primeira a chegar, é bom destacar isso), me preparando para vender oito horas da minha juventude para o capitalismo, meu celular toca, na telinha brilhando a palavra vó, atendo, uma senhora atarantada no litoral paulista me pergunta: "Meu amor você está bem? E sua mãe, o centro esta um caos, um perigo, tá um horror aqui na TV". Assim, fiquei sabendo da reintegração de posse do antigo Hotel Aquarius.
Não muito mais tarde entre uma ligação e outra, percebi o quanto chamar uma ocupação de gaza faz sentido. No dia 16 de setembro, o centro todo se tornou um lugar miúdo com uma polícia truculenta e despreparada equipada de cassetetes, balas de borracha, gás lacrimogêneo, de efeito moral, etc. No outro lado da trincheira, pobres, trabalhadores, brasileiros, estrangeiros, lutadores dessa cidade que nos engole dia-a-dia tinham como uniforme chinelos, bermudas, além de solidariedade e força de vontade. O único ponto comum desses grupos é o medo.
Como na guerra esse medo se espalhou por toda a parte, como as bombas, como a dor daquelas pessoas agora sem abrigo, entre ônibus queimados, árvores derrubadas e entulhos espalhados, fica a vergonha de ouvir frases como "Invadiu, tem que 'desinvadir'!". O sentimento impotente diante da falta de tudo, que muita gente finge não ver, faz que se esquece, aceita e para o desespero do meu coração ainda crente na humanidade, ache justo que lugares abandonados permaneçam servindo ao vazio.  

terça-feira, 24 de junho de 2014

Resposta

Lá fora caia uma chuva bonita, raios brilhantes cortavam o céu e o barulho dos trovões os surpreendiam alguns segundos depois, ela estava na cama, a janela com mais ou menos um palmo aberta deixava o clarão invadir e molhava o cinzeiro apoiado no parapeito.

Rompendo o silencio do quarto ele perguntou: Não tem medo? ela ainda de costas retruca; Medo de que?
-Dos raios.
-Não, acho bonito.
Estendeu a mão até os cabelos dela  e indagou:
-Do que você tem medo?
-De baratas.
-Nenhum outro medo? Altura, água, choque, morte, não tem nenhuma resposta melhor que barata?
-Gosto de altura, de água, não tenho problema com choque, com dentista, acho que morrer pode doer, mas não tenho exatamente medo. Tudo que é muito me assusta, pensar em muitas baratas, muitas vacas, muita água.
-Você tem medo do amor?
Ela até então de costas virou-se para ele e após um breve silencio respondeu.
-Ninguém tem medo de amor, as pessoas tem medo de sofrer, de se decepcionar, de que tudo dê errado...
Colocando a mão sobre o rosto dela, ele se inclinou lhe deu beijo e disse:
-Não perguntei das pessoas, perguntei de você.


Olhando aquele rosto tão conhecido, tão dela, se manteve em silêncio.






quinta-feira, 29 de maio de 2014

Gargalo

Hoje eu almocei no lugar em que costumeiramente como, a comida é boa, o local é limpo, o preço é justo e gosto das pessoas que comem por lá, nessa nova fase de almoços solitários isso vem sendo importante.

Sentei-me, outra alma solitária pediu licença e se instalou na minha frente, meu prato demorou muito mais que o dele, assim o deixando partir antes, fique ali de frente para o espelho, o reflexo foi interrompido algumas vezes, mas apenas uma delas me tocou, um senhor, velho, calça de moletom cinza, agasalho azul marinho, tênis da mesma cor, um simpático chapéu caqui, duas sacolas e óculos preto, andou de um lado a outro na busca de duas cadeiras, achou.

Nessa hora eu já comia sem prestar muita atenção na minha atividade, observar aquele instante alheio me parecia bem mais inspirador, uma senhora se aproximou, sabiamente eles usaram uma das bolsas para reservar a cadeira, ela foi ate o balcão, ele já sentado passou um guardanapo no tampo da mesa, uniu as mãos e curvou-se em agradecimento, lembrei tanto do meu avô, a primeira lágrima me venceu, veio de dentro e sem que eu mexesse um único músculo escorreu, ela voltou com uma garrafa d'água e um copo, se sentou ao lado dele.

Contemplando o momento deles pensei nos meus avós, pensei sobre envelhecer, gostaria de estar mais perto para saber o que conversavam, ajeitados serviram-se de água, ele ficou com o copo e ela serrando os olhos bebeu uma porção generosa no gargalo, eu sorri e mais um bocado de lágrimas me escaparam, pensei em ter alguém com quem envelhecer, alguém provavelmente diferente de mim que não goste de tomar água no gargalo. 

Levantei-me, recolhi o casaco, a lata de coca-cola, minha incomensurável vontade de fotografá-los e sai carregada por inquietos sentimentos. Antes de cruzar a porta, buscar a vida e terminar mais um dia, eu, meus personagens, e minhas tralhas nos acomodamos no sofá, esmoía ainda aquele encontro tão meu, quando a vida me sorriu dizendo que não era um dia de passar vontades e que ela, a vida, é cheia de doces surpresas, como mostra a foto.





segunda-feira, 19 de maio de 2014

8760 dias e 730 horas

Sempre falamos de aniversario por aqui, afinal  tudo isso começou lá na puladinha dos 19 para os 20, a diferença dessa vez é que nunca comecei a aniversariar tão cedo e terminei tão tarde.

Eu fiquei mais velha, não só porque no dia 16/04/1990 meu pai parou o ônibus no meio do caminho para pegar minha mãe e levar ao hospital 3 dias antes do marcado para a cesárea, simplesmente aconteceu, nas minhas inquietudes cotidianas a vida me deixou mais minha.

Os 24 conheceram lá nos meados de fevereiro, veio derrubando tudo e "estragando" minha vidinha tortamente perfeita, fui aniversariando semana após semana, dia após dia desde então, chorei como não chorava há muito tempo, recebi noticias incomodas, pensei em coisas que pareciam esquecidas, revirei gavetas da alma e abracei meu caos.

Acolhi minhas falhas, meus acertos, cada mínimo detalhe desse personagem maluco, cada canto nessa mente instável, cada passo desse coração inquieto, me deixe ser silencio por inúmeras horas. No correr dos dias fui percebendo o que não me cabia mais, joguei fora todo excesso, reforcei as bases, dei espaço para a coragem circular, deixe o novo adentrar, aceite o que é imutável e tudo aquilo que a vida dá, tira, troca, transforma e só depois coloca no lugar. 



segunda-feira, 12 de maio de 2014

Sobrevivente

Falta tempo para escrever e isso me dói, me pego com as mãos correndo pelo teclado, desesperada por uma caneta e um pedacinho de papel. Há tanto que contar, argumentar e desconstruir, pesa saber que a falta de tempo rouba o meu melhor.


Por agora tudo que consigo dizer é que aos 13 chegar ao amanhã me parecia impossível e já tenho 24. 



quinta-feira, 13 de março de 2014

Pat Peoples.

Querido Pat,

Sei que você precisa partir, ir intrigar outras pessoas com sua personalidade problematicamente encantadora, mas antes toma um último café comigo?

Você chegou faz algumas semanas e a cada dia eu te amei mais, sei que essa frase é extremamente piegas, mas é a realidade Pat.

Esperei ansiosamente que se lembrasse de tudo que aconteceu antes de você ir para o lugar ruim, aguardei que me contasse como foi ir ao jogo do Eagles e voltar no ônibus da invasão asiática, amei todas as vezes que  falou sobre as consultas com Cliff e também sobre suas corridas vestindo saco de lixo.

Ao te conhecer fui admitindo para mim que sempre amei os problemas, que eu me encanto facilmente por mentes instáveis, por gente que não nega que está a beira do abismo, talvez por isso me apaixonar por você tenha sido tão simples.

Cinco ou seis paginas por dia e tão logo estávamos na 256, agora que sei qual o final feliz do filme da sua vida e como termina o tempo separados, posso te dizer que você Pat Peoples é um cara incrível e o único personagem que eu quis que fosse real depois do Jovem Príncipe.

Com Amor,
PS. Nunca gostei do Kenny G.



quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Carta aberta ao Alemão

Não sei honestamente como te chamar,
Essa semana você chegou na casa de um amigo, como sempre veio mandando em tudo, esfregando na cara de todo mundo que é novo no pedaço, mas que vai mudar tudo.

Agora no almoço de domingo você vai estar lá com D.Hieda, não só aos domingos afinal quando você chega não faz muita diferença se é domingo ou quarta- feira.

D. Hieda é uma daquelas senhoras apaixonantes, o tipo de vó fofa que ainda enrola bob no cabelo, tá sempre de batom e apesar da aparência frágil, tem opiniões muito fortes.

Quarta fui visita-la, ela me contou que o Adão inventou de cozinhar essa semana, "Ele fez uma bagunça, mas tá gostoso, é bolo de cenoura. Vou te dar um pedaço" recusei, falei que tinha acabado de almoçar mesmo sendo 17h, claro, ela insistiu, falei que poderíamos comer mais tarde na esperança de não vê-la adentrar a cozinha na procura do tal bolo, fui ao banheiro, fiquei lá por uns 10 minutos, chorei, entendendo que você tinha aparecido e agora estava participando da nossa conversa.

Sei que era você por que em uma manhã de 1980 minha querida D.Hieda atendeu uma ligação e soube que o Caçula,  Adão e o Marido, S. Rufino tinham sido pegos por uma carreta ali na Marginal, já pertinho de casa.
Lavei o rosto e segui para sala, sorrindo e esperando ela me falar o que pudesse, o que suas novas percepções deixassem. Por dentro eu te xingava.

É o seguinte tô te contando isso porque quero fazer um acordo contigo, no melhor estilo vender a "alma ao diabo", pode ser uns 10 anos a menos de vida, mas no fim você não vem me ver, pode ser uma veia entupida, um acidente vascular ou uma moto me pegando na calçada do bar, mas eu preciso de um filme cronológico e ordenado passando diante dos meus olhos, quero sorrir na certeza de cada uma das minhas memórias. Fico no aguardo, entendo que você aceitou nosso acordo enquanto não surgir o diagnostico de Alzheimer em meus exames.


Tenta relaxar mais, trabalhar menos, cada dia menos.
Abraços.



segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Limerência











Quando te olhei pela primeira vez não foi nada extraordinária, não houveram sinos, não tinham estrelas brilhantes, precisei ouvir outras pessoas te chamarem umas quatro vezes para decorar seu nome.

Normalmente as pessoas demoram para penetrar meu mundo, não por timidez, falta de afinidade ou confiança, não, mas preciso me deixar encantar, necessito sentir que existe nelas algo tocante, no seu caso foi tudo tão veloz que quando me dei conta, quando tentei entender qualquer coisa, já sabia seu nome, sobrenome, CPF, RG. 

Algumas vezes me pergunto se realmente é possível alguém causar tantos anseios despretensiosamente, vou retomando cada detalhe nosso, tento construir uma linha que pelo menos "aparentemente" faça sentido para tudo que eu sinto. Vou apreendo que sentir, construir e entender é contrassenso na nossa história.



quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Achados e Perdidos.


Sempre fui uma pessoa de muitas duvidas, muitos enigmas pessoais e poucas ideias estáticas. As minhas decisões são moídas e remoídas, até se liquefazerem para que eu as engula.

Lembro-me das enumeras vezes em que quando nada dava certo, eu te ligava e pedia para me falar que tudo ia ficar bem, contradizendo todos os meus outros pedidos, você dizia: Vai dar tudo certo.

Parei de te pedir para me falar que tudo ia ficar bem, durante um tempo pedi que não me dissesse qualquer coisa, depois me acostumei com seu lado mais acido, que me fala sem titubear: Sai dessa! isso é amor de pica.

Quando deixei de te pedir socorro nas horas  em que a vida diz muitos nãos, foi por achar que a segurança acarretada pelo seu lado "herói", que cá entre nós; só eu via, não me cabia mais e fui atrás de outras causas, aceitei nossos novos planos.

Querido, sonhei contigo essa noite, deparei-me com a verdade de que ter diluído nossas novas maneiras não foi o suficiente e talvez agora fosse muito bom te olhar, ganhar o seu melhor abraço acompanhado da frase que soa tão bem vinda de você: Vai dar tudo certo.

Hoje ouvir que tudo vai ficar bem, provavelmente não me trouxesse paz, não acalmasse minhas angustias, mas você ainda é minha principal referencia afetiva, mesmo que eu tenha encontrado outras, mesmo que sejamos outros é no seu abraço, nas suas loucuras tão incompatíveis com as minhas, que eu já encontrei alento.




quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Se7e

- Quais são os planos para 2014? 
Eu ouvi essa pergunta de umas três ou quatro pessoas e frustrei cada uma delas quando respondi: Nenhum.

Não gosto de criar expectativas sobre coisas, ou pessoas e acho injusto fazer isso diante de 2014, é como se obrigássemos ele a ser, a trazer "alguma coisa", sendo bem sincera eu nunca soube obrigar. 

Quero em 2014, em 2027 e em 2039, o que eu quis em 2003, em 1999, ser melhor, ter equilíbrio manter a coerência dos meus pensamentos e das minhas atitudes. 

Na noite do ano novo duas pessoas bem especiais desejaram que os meus sonhos se tornassem realidade, acho bonito desejar isso a alguém, me lembra a infância, isso é sempre doce para mim, mas desde que ouvi esses desejos soprarem nos meus ouvidos, tenho pensado; qual é meu sonho? 

Uma amiga costuma dizer que eu tenho o espírito livre, é uma definição esplêndida, mas sabemos que as almas flutuantes são difíceis de compreender, então acho que meu sonho é ir adiante, sem ter que me coibir e ancorar por medo, ainda existem muitos. 

Que 2014 possa me surpreender nos bons e nos maus momentos, sem me deixar esquecer, que o determinante do inicio de um novo ano é só ciclo de translação da terra. A vida é continua.