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sábado, 21 de março de 2020

Mercúrio em Peixes

Domingo passado escrevi uma carta de desamor. No princípio a ideia era queimá-la no meu próximo ritual de banimento, lá pelo meio da carta criei afeição por ela, e tive vontade de dar para alguém ler, agora ela está dormindo, perdida em algum livro. 

A última semana foi um vaco estranho no tempo, o desconhecido assusta, mas as previsões do que é tangível no momento é o que de fato é aterrorizante.

Tudo que aconteceu recentemente ganhou as vezes de uma despedida, fico contemplando a vista e pensando no que a gente deixou para depois.

Em uma conversa descompromissada na agora tão longínqua semana passada, comentei do prazer em dividir o café da manhã com alguém, e da preguiça em acordar cedo que era o impedimento para não fazermos isso sempre. Parece-me muito irônico agora. 


quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Carta para a Patrícia de 2005


“Hoje já é Quinta-feira, e eu já tenho quase trinta” (Isso é Sandy, só Sandy, sei que estranho.) 

Confesso que não estava esperando esse nosso reencontro. 
Olhando alguns acontecimentos dos últimos 5 meses, parece que você vem se aproximando há algum tempo, eu e a “vida adulta” é que não paramos para olhar.

Não me recordava de como você é inteira, de toda essa profusão, acho que desaprendi a ter, viver e ser tão viceral como você. Hoje, ali no nosso reencontro, lembrei de que para você o tudo, ou nunca mais, era a melhor medida. 

Eu fragmentei a gente com um excesso de moderação, ponderação, e racionalização que nunca precisou existir. Desculpa por essa auto - castração. “Encobrir, não sentir, não deixar saber” (Você só vai pegar essa referência depois de 2013.)

Não é fácil te encarar, é difícil tomar consciência de que nada é seguro, é difícil  para mim olhar, ver e viver só o agora. Fica aqui, prometo continuar desfragmentadanto nos duas. 

Com amor! 

PS. A gente ainda não dorme no horário “normal”... (Foge de todo mundo que diz que “tem que” mudar isso!) 

terça-feira, 30 de outubro de 2018

Carta aberta para João.

Olá João, tudo bem? 
É Patrícia filha da sua prima Cleusa. 
João, sei que não nos falamos muito, principalmente depois daquele café da manhã na casa da sua mãe em que você e o Nosferatu ficaram repetindo que eu votava no Lula e não comia mortadela. 

Estou escrevendo para você porque ontem excluí e bloqueei qualquer pessoa que tivesse manifestado o mínimo de empatia pela vitória do Bolsonaro, das minhas redes sociais, foi assim que cheguei em você João, tinha um post no seu feed pedindo para a "galera da resistência" ir trocar a resistência do chuveiro da sua casa. 

Eu resolvi, João, te explicar como eu me tornei parte dessa galera da resistência, escolhi você porque ao contrário do Nosferatu, do meu Pai, e outros homens heteros e brancos que conhecemos, acredito que você não é fascista, você só está perdido e um pouco desinformado. 

Eu fui caminhando para a esquerda aos poucos sabe, começou com 15/16 anos quando eu estava estudando história do Brasil e a DITADURA MILITAR, não é período viu, João, é DITADURA. Eu tive professores muito bons na escola pública. Inclusive os que não eram de esquerda. 

Na sequência entrei na faculdade, sabe João, lá onde estudei não aceitavam alunos PROUNI ou FIES, consigo me lembrar de apenas 4 alunos negros em 4 anos e meio, nenhum único professor negro me deu aula. Fui trabalhar no Ministério Público Federal, para estagiar lá somos submetidos a uma prova, e duas entrevistas, seria normal se não fosse o fato de apenas 5 universidades poderem indicar alunos para as vagas, lá João entendi que a luta por direitos é constante e que fora da minha bolha, no centro Paulista as leis nem sempre são cumpridas. 

Entendo que nossa realidade parece distante, nunca fui parada por um policial, com a sua idade eu já estava quase saindo da faculdade, mas o que vim te contar, João, é que não pelos mesmos motivos isso é fato, mas assim como você eu também sou minoria. 

Eu nasci naturalmente prejudicada no sistema, eu sou mulher, assim como os negros, como os LGBTI, os homens brancos e ricos também tentam me doutrinar, me calar, me oprimir. Eu sou e estou pela minoria. 

O que os homens cis não querem que você tenha, João, é representatividade, eles querem te manter no escuro, por isso eles aplaudem teu voto, ele legitima a supremacia deles. 

Vou continuar lutando, João, para que você se sinta representado nos teus governantes como eu me senti no dia 1º de Janeiro de 2011 quando Dilma foi empossada. 

Por fim João, ainda dá tempo de tirar sua camiseta verde e amarela (diferente da deles já que sua foi comprada no comércio popular), colocar uma camiseta branca e começa a ver em qual grupo você está representado. Não vai ser simples mas do lado de cá da linha tem apoio e resistência de gente que luta por você! 

PS: Se você quiser eu vou até sua casa trocar a resistência do seu chuveiro, mas será que algum dos homens que estão curtindo seus posts iriam topar fazer isso para você? Será, hein João? 

Patrícia. 


terça-feira, 3 de abril de 2018

Arcano VIII

Ela tem o sol em Áries, o ascendente em Gêmeos e lua em Capricórnio, ela é intensa na vida, no querer, no ser e no sentir. 

Carrega em si a dificuldade de esperar, quer comer o mundo, experimentar a dor, rir do sofrimento, chorar de alegria, hoje, agora, aqui. 

Precisa ser só dela as vezes, há dias em que ela não se suporta, quase sempre acha doce estar ensimesmada.

Estranha essa mulher, de tanto ouvir sobre sua estranheza absorveu que não foi nessa vida que ela nasceu para a ordem, brinca, caçoa e repeli o normal. 

Sem freios para os sentidos, na falta da paciência, sobra a coragem. (Como você ela também está cheia de medo!)



segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Recíproco

A panela de pressão está chiando na cozinha, estou no sofá e a caixa de som no banheiro toca Chico Buarque. Meu cabelo está naturalmente lindo como sempre que não tenho nada especial para fazer, como se ele quisesse me deixar feliz apenas por existir. 

A vida não é perfeita e ser adulto é até bem estranho, mas como uma porção de outras coisas estranhas, eu gosto. 

Sexta vi um filme que falava sobre isso, a vida não parece muita coisa até a gente comprar nosso último sapato, ouvir pela última vez nosso disco favorito. 

Gosto das coisas aparentemente desimportantes, da casa vazia de gente mas cheia de afeto, da camisola roxa que comprei, iguais às que minha avó usava, nada sexy mas que é confortável e um pouco quente também. 

Eu gosto dessa pessoa que história construiu em mim, da cidade caótica onde moro gritando lá fora, dos meus poucos amigos, de rir na cozinha quando derrubo algo no chão, dos 14 motivos que listei para não esquecer cada uma das razões que me fazem gostar de você, gosto do que eu escrevo e gosto da vida, assim problemática como ela é. 

Dizem que a gente gostar da vida já é meio caminho andado para ela também gostar da gente.